início
Desde que senti pela primeira vez o invisível, aquilo que não pode ser visto a olho nu, comecei a minha jornada catando os pedaços de pão que ele ia deixando para trás. Os adultos pareciam sempre estar a um passo à frente nessa procura, me dizendo repetidas vezes que "eu só entenderia quando crescesse". O que seria isso que mesmo se eles me explicassem eu não entenderia? Eles conheciam palavras que eu ainda não estava familiarizada? Ou eles só não queriam me contar O Grande Segredo da Vida?
O oculto me causava sensações e sentimentos dos mais diversos, e passavam de um extremo ao outro em questão de segundos. Aliás, até quando ele é revelado, o mistério não acaba. Não há fim para o que é invisível, até mesmo quando ele se torna visível. Sempre existirá algo por baixo do tapete. Quem conta o que é secreto, querendo ou não, tem uma grande intimidade com o segredo. O que é revelado tem o nome de quem revelou assinado; como o segredo foi contado: palavras utilizadas, narrativa, entonação e a parte que continua oculta. A tradução do segredo sempre terá o ponto de vista de quem o conta. É impossível se tirar da própria fala. Além disso, ainda existe o invisível por trás das próprias palavras. Por assim em diante, é interminável.
Foi aí que eu decidi juntar segredos. Quanto mais segredos eu souber de pessoas diferentes, mais pontos de vista possíveis, e mais próxima eu estaria do Grande Segredo da Vida. Comecei a anotar todos os segredos que eu já sabia, com o nome da pessoa que me contou em cima. Tinha segredo de todo tipo. Segredo que a pessoa tinha inventado ela mesma, segredo que ela sabia de outra pessoa, segredo que tinha acontecido com ela, segredo de família, e vários outros. Tudo que eu não sabia e era revelado ia para o caderno de segredos. Depois de um tempo, decidi alargar minha fonte de segredos. Era pouco eu só ter acesso ao ponto de vista de pessoas que eu encontrava na rua, ou que era amiga, ou conhecido-de-amiga, ou desconhecido-de-amigo-de-amiga. Criei um site específico com esse intuito. E melhor, através do site, o segredo poderia ser contado de forma anônima, criando assim um espaço onde não teria isso de medo-de-contar-segredo. Juntando o útil ao agradável, eu me tornei uma pessoa com o título oficial de confidente. O mistério do oculto nunca seria revelado, mas um dia eu me tornaria a pessoa que mais sabia de segredos do mundo, depois da memória, com certeza. A memória é a maior guardadora de segredos que existe. Quando não lembramos de alguma coisa, a memória vem e cata. É impossível revelar o que não está na memória. Se esquecemos, aquele assunto é dela e de ninguém mais.
início